50 Anos da Passeata Contra a Guitarra Elétrica: Um Protesto que Refletiu a Luta pela Identidade Musical Brasileira

No dia 17 de julho de 2017, completaram-se 50 anos de um evento que marcou um dos episódios mais curiosos e, ao mesmo tempo, emblemáticos da história da música popular brasileira (MPB). A Passeata Contra a Guitarra Elétrica, realizada em 1967, reuniu um grupo de artistas de renome da música brasileira em um protesto contra o uso da guitarra elétrica na MPB. Entre os manifestantes estavam figuras como Elis Regina, Jair Rodrigues, Zé Keti, Geraldo Vandré, Edu Lobo e Gilberto Gil, cujas vozes representavam diferentes vertentes da música brasileira e da política da época.

Hoje, esse evento pode soar como algo completamente fora de contexto, dado o peso que a guitarra elétrica assumiu na música popular brasileira nas décadas seguintes, mas na época, ele refletia questões profundas sobre identidade nacional, colonialismo cultural e transformações sociais. Para compreender o que motivou esse protesto, é preciso olhar para o Brasil da década de 1960, um período de transição política e de crescente influência de elementos estrangeiros na cultura nacional, o que gerou tensões e divergências no meio artístico.

O Contexto Histórico

A década de 1960 foi marcada por profundas mudanças sociais e políticas no Brasil. O golpe militar de 1964, que instaurou um regime de ditadura militar, trouxe um clima de repressão e censura, mas também gerou um ambiente de efervescência cultural. Foi um período de grandes experimentações musicais e de busca por novas sonoridades, mas, ao mesmo tempo, um momento em que a questão da identidade cultural brasileira se tornou central.

O movimento da MPB, que já estava em pleno auge, se caracterizava pela busca de uma música que fosse genuinamente brasileira, capaz de se desvincular da influência estrangeira, especialmente do modelo musical norte-americano. A bossa nova, que havia conquistado o mundo no final da década de 1950, era considerada um símbolo de sofisticação e cosmopolitismo, mas também gerava críticas por sua aparente desconexão com as raízes populares e folclóricas brasileiras.

Nesse cenário, a guitarra elétrica — instrumento associado ao rock, um gênero que estava ganhando popularidade nos Estados Unidos e no mundo — foi vista por alguns artistas como uma ameaça à música brasileira autêntica. Para eles, o uso da guitarra elétrica representava a adoção de um estilo estrangeiro que não se encaixava na sonoridade local e que poderia ofuscar o samba, o choro, o baião e outras expressões musicais genuinamente brasileiras.

A Passeata Contra a Guitarra Elétrica

A Passeata Contra a Guitarra Elétrica foi organizada em 17 de julho de 1967, durante o 3º Festival Internacional da Canção (FIC), um dos maiores eventos musicais do Brasil na época. Esse festival, realizado no Rio de Janeiro, foi palco de intensos debates sobre o futuro da música brasileira. Alguns artistas, como Gilberto Gil e Caetano Veloso, haviam começado a incorporar a guitarra elétrica em suas composições e performances, trazendo para o Brasil a influência do rock’n’roll e da psicodelia.

Porém, um grupo de músicos e compositores da MPB se opôs a essa inovação. A guitarra elétrica, para eles, não só representava uma imitação do rock estrangeiro, mas também a perda da essência da música brasileira, com suas raízes profundas na tradição africana e indígena. O evento, uma verdadeira manifestação de resistência cultural, envolveu artistas como Elis Regina, Jair Rodrigues, Zé Keti, Geraldo Vandré, Edu Lobo e outros, que se reuniram e saíram às ruas para expressar sua discordância com o uso do instrumento.

A passeata foi mais do que uma simples manifestação contra o uso da guitarra elétrica; ela refletia um movimento mais amplo de defesa da música brasileira autêntica contra o que muitos viam como a invasão de elementos estrangeiros. Era uma forma de protestar contra o que consideravam uma “americanização” da cultura brasileira, uma tendência crescente de adotar modelos musicais estrangeiros sem levar em consideração a riqueza da própria tradição musical nacional.

O Debate sobre Identidade Nacional e Colonialismo Cultural

O protesto contra a guitarra elétrica na MPB de 1967 deve ser entendido dentro de um contexto maior de questões de identidade nacional e de colonialismo cultural. Durante décadas, o Brasil teve que lidar com a influência de potências estrangeiras, especialmente os Estados Unidos, em sua cultura e economia. A música não foi exceção, e muitos viam a popularização de estilos como o rock e o jazz como uma ameaça à preservação da verdadeira identidade musical brasileira.

Os artistas que participaram da passeata enxergavam o uso da guitarra elétrica como um reflexo dessa submissão ao modelo estrangeiro, uma espécie de neocolonialismo cultural. Para eles, adotar esse estilo musical representava uma negação das raízes brasileiras, um afastamento do samba, da música popular nordestina e das outras manifestações autênticas da cultura nacional.

Ao mesmo tempo, a guitarra elétrica também era vista como um símbolo de modernidade e inovação. A geração mais jovem, que começava a se aproximar do movimento internacional do rock’n’roll, via o uso do instrumento como uma forma de ruptura com a tradição e um caminho para a reinvenção da música brasileira.

A Evolução da Música Brasileira Pós-Passeata

Apesar da resistência à guitarra elétrica, o uso do instrumento foi se tornando cada vez mais presente na música brasileira. Nos anos seguintes à passeata, nomes como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Zé e outros artistas da chamada Tropicalia começaram a incorporar a guitarra elétrica e outras influências internacionais, criando uma fusão única entre a tradição brasileira e os novos elementos musicais.

A Tropicalia, movimento artístico e musical que ganhou força no final da década de 1960, foi uma resposta direta às tensões da época e à dicotomia entre tradição e modernidade. Gilberto Gil e Caetano Veloso, principais nomes do movimento, conseguiram sintetizar o uso da guitarra elétrica com a preservação das raízes brasileiras, criando um novo estilo musical que ainda hoje é referência na música mundial.

Hoje, é possível ver que a guitarra elétrica não apenas encontrou seu lugar na música popular brasileira, mas também desempenhou um papel importante na construção da diversidade sonora que caracteriza o país. O debate de 1967, que parecia radical e exclusivo de um momento histórico específico, acabou funcionando como um ponto de inflexão para o desenvolvimento da música brasileira, permitindo-lhe explorar novas possibilidades sem perder a sua essência.

Conclusão

A Passeata Contra a Guitarra Elétrica, realizada em 1967, foi um momento crucial na história da música brasileira, refletindo as tensões de uma época de grandes transformações culturais e políticas. Embora o protesto contra a guitarra elétrica pareça anacrônico hoje, na década de 1960 ele representava uma legítima preocupação com a preservação da identidade musical brasileira e com a influência crescente do colonialismo cultural. Com o tempo, a guitarra elétrica acabou sendo incorporada ao repertório da MPB, e o Brasil, como sempre, demonstrou sua capacidade de adaptar e transformar influências externas em algo profundamente único e inovador.

Em 2017, ao celebrarmos os 50 anos dessa passeata, é importante recordar o legado de uma geração de artistas que não apenas reagiu às mudanças, mas também ajudou a moldar a música brasileira que conhecemos hoje. A luta pela identidade, a resistência ao impositivo cultural externo e a busca por uma música que refletisse as múltiplas facetas do Brasil continuam a ser temas centrais na arte e na cultura do país.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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